O Magnificat

MAGNIFICAT, UM CANTO DE LOUVOR

1 - Dom João Evangelista Martins Terra, bispo, teólogo e biblista, escreveu um interessante trabalho sobre o Magnificat, (canto de Nossa Senhora, peculiar a Lucas, cf. Lc 1,46-55), publicado na revista "Atualização", do qual aqui nos servimos, em grande parte, para a exposição do mesmo tema bíblico, que também oferecemos àqueles que desejam fazer dele um pequeno aprofundamento.

magnificat.jpg2 - Magnificat é a primeira palavra latina da tradução do canto ("Magnificat anima mea Dominum"). Significa portanto "engrandece", e é próprio de Maria, que sempre engrandece o Senhor. No canto, as expressões "minha alma" e "meu espírito" são sinônimas e equivalem a "eu". É o "eu" de Maria, não simplesmente psicológico, mas ontológico e espiritual.

3 - Tal é a importância do Magnificat, em termos cristãos, que a Igreja o coloca como cântico evangélico na oração da tarde, de todos os dias, na Liturgia das Horas. Assim, ele é pilar de sustentação orante do povo de Deus, na caminhada de séculos, e que vai, sempre mais, despertando nos fiéis o mesmo fervor de Maria, a mesma esperança que ela nutria acerca da redenção e o mesmo desejo de fidelidade ao Deus vivo, que faz maravilhas na vida de seu povo.

4 - O Magnificat é, pois, um canto de louvor, entoado por Maria, após a saudação de Isabel, "no qual ela louva a Deus pela obra realizada nela e em todo o povo de Deus". No Magnificat, Maria aparece consciente de sua grandeza, mas, como humilde Serva do Senhor, a transfere para Deus, reconhecendo, pois, sua pequenez, e dobrando-se diante do mistério do Deus sempre eterno e misericordioso. Maria sabe relacionar sua maternidade divina e messiânica com as promessas antigas, feitas a Abraão e à sua descendência, ligando, assim, o favor de Deus operante nela ao cumprimento de tais promessas.

5 - Resplandece no Magnificat a laudação própria dos salmos e nele se veem reminiscências também de vários livros do Antigo Testamento, como dos profetas, do Pentateuco e dos Livros Sapienciais. Assemelha-se muito, em sua forma, ao cântico de Ana, mãe de Samuel (cf. 1Sm 2,10), mas distingue-se dele quanto ao tom: "O cântico de Ana é um grito de triunfo diante de seus inimigos. O de Maria é uma humilde contemplação das misericórdias de Deus" (L. Morris). Nota-se também que o Magnificat é muito semelhante ao que Jesus entoará quando exultou de alegria na volta feliz da missão dos setenta e dois discípulos (cf. Lc 10,17-21), como ainda faz lembrar o canto de ação de graças de Is 62,10-11, considerado este o "Magnificat" do AT.

6 - "O Magnificat compreende duas partes: a primeira (vs. 46-50) concerne à situação pessoal de Maria; a segunda (vs. 51-55) indica o sentido do evento para Israel: nessa segunda parte, Maria fala como a "filha de Sião", escatológica, que vê realizar-se agora, em sentido pleno, tudo o que Deus fez no passado para o seu povo".

7 - Como adiante vamos observar, "o Magnificat se desdobra como um mosaico de citações ou alusões bíblicas", e cada versículo de sua composição resulta da combinação de fragmentos ou partes de versos bíblicos do AT, como escreve Dom João Evangelista. São várias, pois, as combinações, mas para se ter uma idéia dessa riqueza, vamos citar, em seguida, apenas uma passagem paralela do AT, o que será suficiente para se notar como a mente de Maria estava repleta dessas reminiscências bíblicas, aguardando, com viva esperança, a realização das promessas de Deus. Há quem diga, com ares acadêmicos, que não foi Maria quem compôs o Magnificat, por ser ela uma simples mulher judia e que, assim, não teria acesso a tão grandes conhecimentos da história do povo eleito. Os que assim pensam estão ainda amarrados nos limites do humano e parecem desconhecer os desígnios de Deus, principalmente sua eterna benevolência para com os humildes.

8 - Vejamos então alguns textos paralelos do AT e saibamos aproveitar também toda a sua riqueza, na harmonia sublime da palavra revelada. O texto em vermelho é o próprio do Magnificat, em cada versículo. Já o texto em preto se refere ao texto do Antigo Testamento. Vejamos:

46 - A minh'alma engrandece o Senhor
1Sm 2,1 - Meu coração glorifica Javé


47 - e meu espírito exulta em Deus, meu Salvador
1Sm 2,1 - Eu me regozijo em tua salvação

48 - porque olhou para a humildade de sua serva
1Sm 1,11 - Se olhardes para a pobreza de vossa serva

48b - Sim, doravante as gerações todas me chamarão de bem-aventurada
Ml 3,12 - E vos chamarão ditosas todas as nações

49 - pois o Todo Poderoso fez grandes coisas por mim. O seu nome é santo.
Sl 110(111),9 - O Senhor fez por nós grandes coisas. Santo é seu nome.


50 - e sua misericórdia se estende de geração em geração para aqueles que o temem...
Sl 102(103),17 - A misericórdia do Senhor é eterna para os que o temem e sua justiça se estende de geração em geração.

51 - Agiu com a força de seu braço, dispersou os homens de coração orgulhoso
Sl 88(89),11 - Tu esmagaste os soberbos e com a força de teu braço dispersaste teus inimigos

52 - Depôs os poderosos de seus tronos e elevou os humildes
Ecl 10,14ss - O Senhor derruba os tronos dos príncipes e coloca os humildes em seu lugar (cf. 1Sm 2,7-8; Jó 12,19)

53 - Cumulou de bens os famintos e despediu ricos de mãos vazias
Sl 106(107),9 - Saciou de bens os famintos
1Sm 2,5 - Os ricos têm fome e mendigam

54 - Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia
Is 41,8 - Mas tu, Israel, meu servo, que escolhi
Sl 97(98),3 - recordando-se de sua misericórdia

55 - conforme prometera a nossos pais em favor de Abraão e de sua descendência para sempre
Sl 97(98),3 - em favor da casa de Israel
Mq 7,20 - como juraste a nossos pais, desde os tempos antigos.

 

9 - Para aqueles que ainda querem um aprofundamento bíblico maior, no que diz respeito a outras passagens paralelas do AT, de que se reveste o Magnificat, damos abaixo aquelas que, na nossa opinião, são as mais expressivas, fazendo-o com referência a cada versículo do referido canto. Ei-las:

46 - Sl 33(34),3; 68(69),31

47 - Sl 34(35),9; 105(106),21; Hab 3,18

48 - 1Sm 1,11; Ml 3,12; Gn 30,13

49 - Sl 70(71),19; 98(99),3; 110(111),9; 125(126),2; Is 57,13; Dt 10,20

50 - Sl 88(89),2; 102(103),17; Ex 20,6; Dt 5,10

51 - Sl 88(89),11; 2Sm 22,28; Is 51,9

52 - Ecl 10,14-15.17; Sl 146(147),9; 1Sm 2,7

53 - 1Sm 2,5; Sl 33(34),11; 106(107),9;Jó 22,9

54 - Gn 12,3; 13,15

55 - Gn 17,7; 18,18; Sl 131(132),11; 2Sm 22,51



10 - Vemos assim que no Magnificat Maria canta não somente a sua própria exaltação, mas também a elevação de todos os humildes. Investida, pois, do Espírito Santo, ela exalta a sua maternidade, centrando-a no olhar misericordioso de Deus para com ela, e que é expressão do mesmo olhar divino para com todas as gerações. Nesse canto mariano, vemos que o louvor pessoal de Maria precede o louvor universal de toda a humanidade, como que conferindo a este um modelo de louvação cristã, e embora Deus queira encher de graça todas as pessoas, inicialmente, e por soberana vontade, cumula uma simples mulher, de modo, pois, singular e único. Diga-se então que o evento de Nazaré, limitado e circunscrito no tempo e no espaço, é, porém, de natureza universal, que engloba e dá sentido a todos os demais eventos. Assim, a condescendência de Deus para com Maria, humilde serva, é estendida a todos os pobres e humildes.

11 - Como vimos, o Magnificat descreve a realização e a superação do AT, e Maria nos faz ver que a obra redentora de Deus não é completamente nova, mas sim continuação e culminância dos feitos salvíficos do passado, que, segundo Lucas, têm seu início em Abraão.

12 - Nas palavras do Magnificat, a ordem dos valores do mundo sofre uma alteração radical, e aqui numa ressonância também política, econômica e social, pois os pobres e humildes são exaltados; os soberbos, derrubados de seus tronos; os ricos, opulentos e insensíveis, são despedidos de mãos vazias. Maria canta, pois, esta realidade, em paralelismo antitético, seguindo muito de perto a tradição sálmica e hínica do judaísmo.



BIBLIOGRAFIA

 

1 - Bíblia de Jerusalém

2 - Revista "Atualização" - Teologia

3 - Concílio Vaticano II

João de Araújo

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