Mais uma vez, Senhor, hoje eu o vi, na extravagância de sempre. Com gestos e gritos, e na rua tão cheia, tecia elogios às suas bugigangas.
Ao seu redor, gente curiosa se amontoava, em busca do maravilhoso. E eis que ele vendia facilmente as suas quinquilharias. Mas nem sequer olhava para o rosto de seus fregueses. Não lhe interessava ver rostos. Não queria comprometer-se. Longe dali, já noutro quarteirão, ainda se podia ouvi-lo a gritar.
* * *
Há muitos gritos, Senhor, neste mundo tão surdo. Muito esforço por pequenas glórias. Muitas buscas de pequenos nadas.
Gritos estão nas tribunas dos homens,
Gritos se ouvem em seus caminhos,
Gritos se encontram em suas canções,
Gritos a matar o diálogo nos lares,
Gritos, somente gritos, que jamais encontram ecos de paz.
Tu és diferente, Senhor, bem diferente. Jamais foste visto a gritar, nem mesmo para fazer valer os teus ditames de Deus.
Não gritaste sob o peso da Cruz, mas, silenciosamente a carregaste.
Não gritaste em tua sentença de morte, mas a ouviste no silêncio, e perdoaste os que a gritavam.
Estás perto, infinitamente perto, e, assim, só sussurras, comunicando-te a nós.
Mas hoje eu te peço, Senhor, pelos gritos do mundo:
Pelos gritos do camelô, na cidade grande, na ânsia somente de ganhar o seu dia,
Pelos gritos dos homens, sem expressão de verdade, inaudíveis que são pelos deuses que amam,
Pelos gritos de dores, nas estradas de cruz, sem o consolo, porém, da fé do Calvário,
Pelos gritos tão justos dos que sofrem injustiças, mas que não conseguem comover os corações de pedra.
Sim, meu Deus, eu te peço por todos esses gritos,
E por todos os outros,
pelos milhares de gritos que ecoam na história dos homens.
Mas também eu te peço, Senhor, pelo meu silêncio, muitas vezes covarde, cúmplice e criminoso.
Sim, porque, na estrada da vida, nem sempre eu soube sussurrar aos ouvidos sedentos os segredos de paz, as maravilhas do amor, o consolo da misericórdia e do perdão.
João de Araújo