Em meu trajeto, Senhor, há sempre uma banca de jornal e de revistas.
Naquele dia, olhei o jornal.
A manchete, em letras garrafais, publicava o horrendo crime.
Na foto, uma criança chorava nos braços da mãe. O pai fora assassinado.
Em página interna, os detalhes do crime. Nos detalhes, o motivo: ninharia... ninharia... e ninharia!
Outros também olhavam o jornal. Curiosos. Indiferentes. Descomprometidos.
* * *
Não comprei o jornal, Senhor, mas comprei uma dor. Doíam-me as lágrimas daquela criança. Mal desabrochara para a vida, e eis que já deparava com um mundo afogado no ódio e na desesperança.
Pensava na mãe. Nos outros filhos. Sim, havia outros filhos.
Pensava na pensão minguada que receberia, se tivesse pensão.
Pensava nos guichês sem fim que teria de visitar,
Pensava no pobre homem assassinado. Pensava no assassino.
Pensava na Humanidade, sem senso de humanidade.
Pensava em mim, pobre habitante também de um mundo criminoso.
Outros, depois, até me aconselharam a não pensar tanto. A não encher o coração de esperanças vãs. Nem teu Filho – diziam – salvou o mundo. Como iria eu salvá-lo?
E assim, Senhor, corações sem alma, petrificados pelo gelo da indiferença fraterna, ainda tentavam matar em mim o que neles já havia morrido: a pulsação da sensibilidade em ti.
Receoso, pois, de que eu fosse também de pedra, apertei-me. Mas não! Vi, felizmente, que sou mesmo de carne. De carne e osso. Doeu-me o beliscão. Eu sou sensível, Senhor! Graças a ti, eu sou sensível!
* * *
O jornal não falava, mas eu sabia que,
naquele dia,
naquele instante,
na mesma cidade,
outros crimes estavam brotando:
Operários sendo explorados e despedidos,
Crianças sendo abortadas,
Infidelidades sendo exaltadas,
Outros lares sendo destruídos,
Tabuletas com preços renovados,
Tudo, Senhor, tudo em ritmo satânico de um mundo que se apressa em desmoronar.
E pensava novamente no homem.
Sim, no Homem, que tu criaste à tua imagem e semelhança.
No Homem, um pouco inferior aos anjos, como disse o salmista.
No Homem, que teve a natureza divinizada pela Encarnação de teu Filho.
No Homem, com quem celebraste uma aliança eterna de amor.
No Homem, por quem teu filho morreria milhões de vezes, se preciso fosse.
No Homem, que tu criaste como rei da criação, mas que, por ninharia, se transforma em bagaço cósmico!
Sim, meu Deus, eu pensava em tudo isso. Mas, como teus pensamentos são de paz, de profunda paz, procurei, num instante, imitar-te mais vivamente. E por isso eu pensava também:
Nos obreiros da paz,
Nos artífices de teu Reino,
Nas almas de coração puro,
Nos mensageiros de um mundo novo,
Na supremacia do espírito sobre toda a matéria.
Em resumo: eu pensava no Céu!
E foi pensando assim, Senhor, que me esqueci do jornal. Não me esqueci dos que sofrem, mas me apressei em ser mais fraterno. Agora, em clima de paz, de paz litúrgica, quero pedir-te com confiança filial:
Ajuda os homens a serem mais humanos, mais sensíveis, mais fraternos.
Ajuda-me, Senhor, a enxugar lágrimas, e jamais as provocar.
Ajuda-me a ser eu mesmo, fazendo com que eu me descubra, cada vez mais, na profundidade do meu ser.
Porque, se eu for eu mesmo, Senhor, como me modelaste, certamente vou ser imagem mais verdadeira de ti!
João de Araújo