As sete dores de Nossa Senhora

1 - Profecia de Simeão - (Lc 2,35)  

De acordo com a lei de Moisés (cf. Lv 12,2-4; Nm 18,15), quarenta dias após o nascimento de um menino, este deveria ser apresentado ao Senhor no Templo de Jerusalém, o que fizeram os pais de Jesus, por serem também judeus piedosos, cumprindo assim toda a lei. O Espírito Santo prometera a Simeão, homem justo, que esperava a consolação de Israel, que ele não morreria sem antes ver o Cristo Senhor. No Templo estava ele à chegada dos pais de Jesus. Tomando o menino nos braços bendisse a Deus, desejando então partir para a eternidade, pois seus olhos haviam contemplado o Salvador, e à santa Mãe do menino dirigiu-se dizendo: “quanto a ti, uma espada te traspassará a alma”.

Ouviste as palavras de Simeão, ó Santa Mãe de Deus, como antes ouviste as palavras do anjo na anunciação de teu Filho. Simeão não esperou nem pediu o teu “sim”, mas - sabemos - um “sim” vigoroso também deste à sua profecia. E no Calvário aceitaste ter a alma traspassada pela lança do opressor (cf. Jo 19,34), pois a alma de teu Filho, que, na intenção do inimigo, deveria recebê-la, não estava mais lá. A tua, porém, sim. Mas no fundo e no silêncio de teu coração materno certamente clamaste: “Ó vós todos  que passais, considerai e vede se há uma dor semelhante à minha dor!” (cf. Lm 1,12).

É certo, Maria, que uma dor mergulhou em tua alma e no teu coração já no Templo de Jerusalém, e assim tiveste o início de tua paixão já bem antes do Calvário, pois certamente guardaste no coração as palavras de Simeão e as viveste intensamente no dia a dia de tua existência.  Se, porém, no Calvário, não era necessário o gesto perverso do soldado tirano, pois teu Filho já estava morto, todavia tal gesto foi útil ao mundo inteiro, pois de seu lado, como de uma fonte, correu sangue e água, daí nascendo a Igreja, como Esposa Imaculada de teu Filho, assim como Eva nascera do lado de Adão. Sangue e água, símbolos dos sacramentos essenciais da Igreja (Batismo e Eucaristia), sacramentos que são, pois, dádivas divinas ao povo eleito e a toda a humanidade.

Olha agora, ó Mãe de todas as mães, que tens os olhos para além de todos os horizontes, olha tantas mães que como tu veem seus filhos, logo ao nascerem, já destinados ao sofrimento, como que condenados antecipadamente ao suplício de um mundo injusto e cheio de prepotência. Olha para tantos jovens já sem esperança e sem sonhos, que lutam não para viver e conviver, mas para sobreviver, sob o peso de tantas exclusões, de tantas maldades e de tantas injustiças.

Teu Filho, ó Senhora de todos nós, vai ser pedra de tropeço para muitos e sinal de contradição, como disse o velho Simeão, mas também será, sobretudo, soerguimento de muitos em Israel e no mundo inteiro. Alegra-te um pouco então, pois, mais que horas de dor, ele trará para ti momentos de alegria celeste e de pura eternidade.        

2. Fuga para o Egito (Mt 2,13-15)  

Depois que os magos partiram, José foi avisado em sonho pelo anjo do Senhor que Herodes iria procurar o menino para matá-lo. Orientado pelo anjo, José então levantou-se tomou Maria e o Filho e fugiu para o Egito, ficando lá até a morte de Herodes, pois, segundo o profeta (cf. Os 11,1), do Egito Deus chamaria o seu Filho, assim como havia chamado antes o antigo Israel.

Tu foste em fuga para o Egito, ó Mãe das dores, como os teus antepassados. Tu, em busca de refúgio para o teu Filho, pois ele seria perseguido e morto por Herodes; eles, inicialmente, acuados pela fome (cf. Gn 42,1-7). Foste como que reviver o drama de teu povo, na “casa da escravidão”. A dupla fragilidade, tua e do menino, dependia de José, o vigilante protetor, pois foi a ele que o anjo se dirigiu. Nada de detalhes nós temos de tua fuga, mas podemos, é claro, vê-la como dolorosa e verdadeiramente dramática. Depois daquela profecia, eis que surgem em teu caminho as dores da incerteza e os temores de teu pobre coração materno. Mas fugiste, Maria, pois aceitaste, sem hesitar, as razões de José,  sem colocar-te superior a ele no entendimento das coisas de Deus. Sabias que teu esposo, homem justo, era um anjo protetor, e não um aventureiro de estradas sem fim.

Perto estamos, ó Mãe das dores, das festas pascais, mas, olhando o mundo, ainda vemos nele tantas fugas, tantas deserções e tanto abandono. Eis então gente que foge: de balas perdidas e sem rumo; da fúria de canhões; da arrogância de mísseis e de seus donos; da ganância dos poderosos. Fugas ainda nós vemos: de famílias angustiadas, nas estradas de incertezas;  de filhos, sem  o afeto, o carinho e a ternura dos pais; de pais também, e de mães, que deixam, covardemente,  a família, ninho de amor e escola de virtudes, para outros caminhos,  onde, não poucas vezes, se vendem na permissividade do mercado livre e hedonista.

Quantas fugas também, ó Mãe das dores, quantas fugas baratas, de pessoas que fogem de si mesmas, sem motivo maior! Quantas vidas, pois, incapazes de se aceitarem, sem se verem na dignidade de pessoas humanas! Quanto êxodo, na Terra Mãe, de gente sofrida, como índios e colonos, reduzidos a gente sem pátria, gente humilde e inofensiva, tudo porque o poder econômico clama por mais poder, e as leis dos poderosos são igualmente poderosas como eles, absolutas, em se tratando de seus interesses, cada vez mais insustentáveis e mesquinhos. Nesse desfile interminável de fugas, ó Mãe das dores, também a nossa fuga de cristãos: do compromisso da fé, das exigências do amor, da solidariedade fraterna e do testemunho vital do Evangelho. 

Foge então para o Egito, Maria, vai com teu Filho e com teu esposo. Deixa por um instante a terra da esperança. Lá teus antepassados experimentaram a dor da escravidão e lá certamente também a experimentarás. Mas é por um instante, porque os Herodes são passageiros e mortais, muitos faraós já foram sepultados, e a Criança que nasceu de ti, e que levas contigo, faz tremer todos os impérios.  
 

3. Perda do menino Jesus em Jerusalém (Lc 2,41-50)  

Todos os anos os pais de Jesus iam a Jerusalém para a festa da Páscoa. Tendo o menino completado doze anos, subiram eles, como de costume, para a festa. Terminados os dias, voltaram, mas o menino ficou em Jerusalém, sem que eles percebessem. Pensando que estivesse na caravana, andaram o caminho de um dia, e puseram a procurá-lo entre os parentes. Não o encontrando, voltaram a Jerusalém, onde o encontraram, no Templo, sentado entre os doutores, ouvindo-os e interrogando-os. Maria então lhe disse: “Filho, por que agiste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos aflitos”! Ele  respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu pai”? Contudo, Maria e José não compreenderam o que ele lhes disse. Então Jesus voltou com eles para Nazaré e era-lhes submisso. Maria, porém, guardava tudo no coração.

Eis aí, Maria, a tua terceira dor, o terceiro aperto de teu coração materno. Por que o Filho agiu assim? É mistério de Deus. Sim, é mistério de Deus.  Ele já tinha doze anos, portanto, na lei judaica, já podia ouvir e ser ouvido. Só tu sabes quanta coisa dele ouviste durante a vida, juntamente com José, na silenciosa casa de Nazaré! Quantas maravilhas nele viste e que Deus ocultou de todos nós, não é mesmo? Tua casa foi de silêncio, de profundo silêncio, como sabemos, e é no profundo silêncio que Deus revela os seus mais sublimes segredos de amor.

Agora então, ó Consoladora dos aflitos e mãe dos desamparados, agora então abraça o teu Filho, que é teu Filho e teu Senhor, na grandeza do mistério. Não o deixes partir. Vela pelo seu sono e prende-o ao teu coração. Sê para ele, como de fato és, a mãe indefectível, a mãe insubstituível, a mãe de todos os seus desejos! Sim, Maria, pois Jesus é também para ti o Filho mais que filho, pois é Deus e não simplesmente homem. É Criador, e não mera criatura. É Senhor, e não escravo. Só tu mereceste, entre todos os mortais, ainda na terra, beijar reverentemente  o nosso Deus, acariciá-lo e estreitá-lo nos braços de mãe plenamente  feliz. Aos anjos não consta que tais instantes foram dados, e aos santos mais santos também não foi dada, com relação a Deus, tão pura intimidade e tão santa familiaridade. 
 

Mas, sobretudo, ó santa Mãe do Divino Mestre, vela por todos nós, por aqueles que, no Calvário, recebeste do Filho como novos filhos, numa troca nada vantajosa para ti, pois passaste a ser mãe de pecadores e de miseráveis filhos de Adão. Poderíamos nós, mesmo em alto grau de santidade, substituir o teu Filho, cuja santidade supera o Céu e a Terra? Não, simplesmente não. Como mãe, ainda antes da indicação do Filho, nos mandaste fazer tudo o que ele nos dissesse (cf. Jo 2,5), e o que ele nos mandou é que nos amássemos uns aos outros como ele nos amou (cf. Jo 13,34-35). Portanto, como mãe, ajuda-nos a encontrar tantas vidas que se perderam. Ajuda as mães a encontrarem seus filhos, perdidos muitas vezes nas estradas do mundo, nos porões dos vícios e até mesmo nas prisões da crueldade. Faze, sim, que todas as mães, mergulhadas na dor de tantas perdas, possam enfim alegrar-se no encontro com o filho, nos templos de Deus ou mesmo nas ruelas do mundo. 
     

4. Encontro com Jesus na estrada do Calvário (sem registro bíblico)  

Os evangelhos não falam de encontro propriamente dito. Jo 19,25-27 fala de Maria perto da cruz de Jesus, o que mostra claramente que ela o acompanhou até o Calvário, não, porém, como as outras mulheres, que choravam por ele, “choro errado”, que ele tratou logo de corrigir, mudando-lhe a rota (cf. Lc 23,27-28). Jamais duvidemos de que Maria, na estrada do Calvário, foi a mulher por excelência, a Mãe dolorosa, que soube ficar de pé, imitando o Filho, soberano até à morte, conforme acentua São João.  

Certamente encontraste com o teu Filho na estrada do Calvário, ó serva do Altíssimo, encontro, porém, não só físico, mas espiritual, místico, de corações encharcados de amor eterno. Encontro de duas vidas de perfeita doação e oblação. Encontro silencioso, como é próprio dos humildes e das almas mais santas e sublimes. Encontro de olhares que tudo diz, que tudo revigora e que tudo alenta. Em ti o Filho contemplou certamente as lágrimas de Mãe verdadeira, e no Filho contemplaste o sangue que proclama a vida em abundância. Teu olhar de mãe, de mãe serena, fez certamente mais branda a sua dor, e no olhar dele viste com certeza mais consolo para a tua dor de mãe.

Sabemos, ó serva de Deus, que não gritaste em público, exigindo justiça, e assim imitaste o Filho, que não grita nas ruas e que com fidelidade traz o direito (cf. Is 42,2). Não te misturaste com os cães raivosos (cf. Sl 22[21]17), vestidos de leis, repletos de exterioridades e cheios de ignomínia. Teu silêncio venceu a fúria dos covardes, a astúcia dos poderosos e soube calar a língua dos insensatos.  Sim, porque o teu silêncio é o silêncio de Deus, e o silêncio de Deus guarda sempre segredo de ti.

Agora então, ó Senhora das dores, olha para todas as mães cujos filhos são obrigados a viver delas distantes, num mundo cada vez mais competitivo, desumano e cruel. Quantas mães cujos filhos se acham desaparecidos, à beira da morte, e quantos ainda se acham nas estradas incertas do mundo. São mães, é certo, que esperam também um encontro feliz, mesmo de lágrimas, de muitas lágrimas. 
  

5. Morte de Jesus na cruz (Mt 27,45-50; Mc 15,33-37; Lc 23,44-46; Jo 19,28-30)  

Como se vê, todos os evangelistas narram a morte de Jesus na cruz, mas não com a mesma intuição, com a mesma sensibilidade ou com a mesma conotação histórica.  Os  sinóticos, como sabemos, se aproximam muito entre si, principalmente Mt e Mc. Já o evangelista João dá à narração da morte não tanto sentido histórico, mas teológico, relacionando-a com a Páscoa. O Cristo que morre, para João, morre de maneira livre e soberana, e morre para retomar a vida.    

Esta é a hora de teu Filho, ó Mãe de Deus, hora que ele ansiosamente esperou e afirmou para ela ter vindo (cf. Jo 12,27). Hora, pois, não só dele, mas de todos nós. Mistério de Deus, que a mente humana jamais compreenderá. Hora em que, pelo Filho, o Pai termina a Criação da humanidade. Vê, já surge um mundo novo, pois Deus morreu pelo homem. O Senhor morreu pelo escravo; o Criador, pela criatura; o Infinitamente rico, pelo miseravelmente pobre. Adão já pode alegrar-se, e com ele todos nós, pois deixamos de ser barro apenas. Somos agora, isto sim, “moedas de Deus” (cf. Mt 22,20-21) e templos do Espírito Santo (cf. 1Cor 6,19).

Tu choras, Maria, e, como Mãe piedosíssima, tu deves chorar, mas tuas lágrimas certamente regam os canteiros de Deus. O Trigo da paz morreu e, sepultado, vai brotar para a glória do Pai. Os anjos se calam, a terra estremece, os céus se abalam, porque um Deus morreu por nós. O Céu está repleto de silêncio, e o silêncio é, todo, mistério insondável.

Como tu, ó nobre Filha de Sião, todos contemplam a cruz. Sim “a cruz”, não “as cruzes”, porque somente a do meio, a do teu Filho, é cruz redentora. Todos, como já havia anunciado o profeta,  todos contemplam aquele que traspassaram (cf. Zc 12,10). Mas se luta foi travada na cruz, na cruz teu Filho se apresenta vitorioso, pois o Pai exigiu que, na obra da redenção, o inimigo caísse no laço que ele próprio inventou. Tu sabes, bendita Mãe do Salvador, que, “do próprio lenho da morte, Deus fez nascer redenção”, e que tal lenho se tornou leito mais brando, oferecido ao Santo Rei das alturas. Mais que bendita, portanto, és tu, ó Mãe lacrimosa, pois se a cruz pode ser  chamada de “árvore esplêndida e bela”, por ter tocado os santos membros do Salvador, que diremos então de ti, que o geraste e dele foste um sacrário vivo?

Eis então que te pedimos, ó Mãe diletíssima: junto do Filho amado, intercede por todos os crucificados de nosso mundo. E são milhões os crucificados: de ontem, de hoje e de amanhã. Como Mãe de misericórdia, lança teu olhar penetrante sobre todos os filhos que, hoje e sempre, neste mundo dilacerado, prolongam a paixão de teu Filho nos diversos Calvários da vida. Traze teu Filho amado para o coração daqueles que já não têm esperança. Faze, para todos os excluídos, escarnecidos, humilhados e perseguidos, que os sofrimentos de suas vidas sejam passagem para um amanhã mais de luz e de paz, assim como a Sexta-Feira da Paixão, na Liturgia, é passagem feliz, certa e definitiva, para o Domingo da Páscoa.  

6. Maria recebe em seus braços o Filho morto (sem registro bíblico) - Pietá
  

Quando Deus criou o homem, colocou-o num jardim (cf. Gn 2,8), mas Adão não soube viver no espaço das flores, e Deus o expulsou de lá (cf. Gn 3,23). No início de sua paixão, Jesus entrou com os discípulos também num jardim (cf. Jo 18,1), e num jardim foi também crucificado e sepultado (cf. Jo 19,41). Foi então num jardim que seu corpo foi retirado da cruz (cf. Jo 19,38-39) e entregue, segundo a piedosa tradição cristã, à sua Mãe dolorosa.  

Agora sabemos, Maria: o jardim é o lugar de Deus. Por isso, o teu Filho, diferente de Adão, sempre lá estava. Lá morreu, lá foi sepultado e lá ressuscitou. Agora entendemos por que és a rosa mais bela do jardim de Deus. Mero elogio de nossa parte? Não, puro reconhecimento de uma verdade que é plena. Adão não ficou lá, porque ouviu, com gosto, a voz da serpente. Teu Filho lá se encontrava, porque sempre ouvia, com plena familiaridade e fidelidade, a voz do Pai. A morte de teu Filho, num jardim, leva-nos a descobrir que para o jardim todos nós já voltamos, e que é num jardim pleno de amor que vamos viver para sempre.

Recebe, pois, ó Mãe mais que santa, recebe o teu Filho morto. Recebe o seu corpo exânime, dilacerado pela estupidez dos homens e pelas leis absolutizadas. Beija-o, como certamente o beijaste, muitas vezes, no bendito lar de Nazaré. Seu coração não pulsa mais, é verdade, mas o teu, sim. Venera-o ou, mais que isso, adora-o, pois ele é também o teu Deus. Pouco tempo resta para o sepultamento, pois a Preparação dos judeus para a Páscoa já se aproxima (cf. Jo 19,42), e teu Filho, morto, não pode “atrapalhar” a festa dos inimigos. Depressa, pois, ó Mãe mais que dolorosa,  recebe o teu Filho morto, acaricia-o  e contempla-o. Sim, contempla-o, mesmo  apressadamente, pois a lei, agora mais que opressora, já sentenciou que ele não pode ser velado, como entendem os “especialistas da lei”.

Contempla então, Mãe dolorosa, em teu Filho morto,  tantos mortos nas guerras, cujos corpos são tratados com bestialidade e ironia e, o que é pior, muitas vezes em nome de Deus. Tu sabes,  muitos são os Herodes e Pilatos de nosso tempo, cuja arrogância e prepotência parecem não ter limite, mas eles passarão tão depressa como o relâmpago no céu.

Ó Mãe esquecida e silenciosa, escrava escolhida para ser a Mãe de Deus, recebe o teu Filho em teus braços maternos. Teu “sim” a Deus, na anunciação do anjo - todos sabemos - era também um “sim” a este momento cruciante, de dor e de redenção. “Sim” que Deus só reserva aos fortes e aos puros de coração. Mais que compadecer-nos de ti, queremos que te compadeças de nós. Mais que traçar simplesmente louvores a ti, queremos que nos ajudes a possuir os sentimentos de teu coração, imitando-te nos passos de nossa vida.

Assim, ó Filha de Sião, nova Mãe do povo eleito, já que estás no Calvário, num monte, estende o teu olhar para a planície dos homens. Vê: são milhares as mães cujos filhos jazem nos porões de uma humanidade sem senso de humanidade. Eis que cenas da vida nos lembram esta cena do Calvário: mães de tantas praças e de tantas favelas, mães do interior agreste e de tantas aldeias, mães, simplesmente mães!... Como tu, ó Mãe do Verbo Encarnado, suas lágrimas choram a dor de tantos massacres, às vezes legitimados e quase sempre favorecidos pelos amantes do desamor.  

7. O sepultamento de Jesus e a soledade de Maria -  (Jo 19,42)  

Num texto simples e sóbrio, com apenas três versículos (Jo 19,25-27), o evangelista João resume o que aconteceu nos momentos últimos de Jesus na cruz com relação a Maria, sua mãe: confiou-a como mãe ao discípulo amado, e confiou-lhe o discípulo amado como filho. E o texto termina dizendo que a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua casa. É bom saber que o evangelho de João é todo simbólico, pascal e teológico.    

Sim, Maria, nós podemos imaginar a tua solidão, a tua extrema solidão. Não só tu te sentes sozinha, a natureza também. Tudo chora diante do mistério do amor, amor do Calvário, que comove o céu e anuncia a vida. O discípulo amado -  mesmo com a sua mais pura afeição, com a mais sincera amizade, com o  mais sublime respeito, e com a mais profunda veneração e reverência para contigo - seria capaz de amenizar a tua solidão? Não, ó santa das virtudes celestes, sabemos que não. A ausência do Filho divino faria profundamente vazio qualquer lar, principalmente o teu, já sem o esposo fiel, justo e santo. É certo pensar que o discípulo amado é que vai receber mais conforto de ti, pois Aquele que mais o amava agora vai ser colocado no silêncio  da terra.  

Não sabemos o que dizer, ó Mãe de todas as esperanças, e as palavras mais vivas jamais poderão expressar a dimensão abissal do amor de teu Filho. O mistério é indizível e nele só podemos contemplar a nítida paixão de Deus por nós. Sabemos que é simples e cômodo ter compaixão de ti, de tua solidão. Fácil ainda é imaginar-te como Mãe desolada e vítima de tão cruel injustiça. Difícil, porém, ó santa Mãe de Deus,  é seguir teu exemplo, como serva do Senhor (cf. Lc 1,38), na opção pela humildade e pelo serviço fraterno (cf. Lc 1,39; Jo 2,1-5). Sabemos também, ó Mãe de misericórdia, que é fácil, muito fácil, chorar o teu Filho morto, pois isso até a natureza faz. Difícil, muito difícil, é segui-lo vivo nas estradas do mundo. Isso, só corações parecidos com o teu, transbordantes de amor, sabem fazer.  

És portanto mais que Mãe dolorosa, ó Mãe do silêncio! Tu conheces a perenidade do amor divino, amor que se crucifica por amor. Muito tens a nos ensinar nesta escola de amor perene. E tu sabes, Maria: teu Filho morreu para vencer a morte. Não veio ele ao mundo para, como nós, viver apenas, sem muito conviver, mas veio para conviver, para estar sempre conosco, e para morrer por nós, porque, morrendo, destruiria a morte, e, ressurgindo, nos daria para sempre a vida. Ele veio - digamos - para ser “a morte da morte”. Veio, sim, para ser a ruína do Inferno. Tu sabes, ó santa Mãe de Deus, que teu Filho, ainda vivo, já havia vencido o mundo (cf. Jo 16,33), muito mais  agora, oferecendo-se por nós, dando sua vida, em morte redentora, sua vitória se consagra definitivamente, brilhando  mais vivamente no mistério divino.

Para encantar-se com o poder, com a injustiça e com a mentira, Faraós, Herodes e Pilatos se multiplicarão, como em nossos dias, mas tremerão sempre: diante de oprimidos (cf. Ex 12,30-31); de  criança inocente (cf. Mt 2,3); ou com “mãos limpas” (cf. Mt 27,24), não importa.   Consola-te então,  ó Consoladora dos aflitos,  pois  teu Filho dorme um sono sereno. Como Trigo da paz, ele vai logo despontar, pois o Pai o quis plantado no jardim de seu amor. 

Das alturas celestes, roga então, Maria, por todas as mães desoladas, mães também desfiguradas por tantas estruturas de morte. O mundo está orvalhado pelas lágrimas de mães assim. Mas, em canteiros assim, orvalhados de lágrimas maternas, vai florescer sempre o sorriso da vida, o broto da viva justiça, o germe mais puro de toda esperança. Amém.

João de Araújo

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João de Araújo - As sete dores de Nossa Senhora