O Domingo, dia do Senhor e dos cristãos

FUNDAMENTO E NÚCLEO DO ANO LITÚRGICO

1 - Na reforma litúrgica, o Concílio Vaticano II, retomando o espírito da Igreja primitiva, enfatizou o Domingo como dia de celebração do Mistério Pascal e como fundamento e núcleo do Ano Litúrgico (cf. SC nº 106). E o Catecismo da Igreja Católica ensina: ..."A Ceia do Senhor é o seu centro, pois é aqui que toda a comunidade dos fiéis se encontra com o Senhor ressuscitado, que os convida ao seu banquete" (CIC nº 1166). Por ser o Domingo “o dia do Senhor”, São Jerônimo também o chama de “o dia dos cristãos, o nosso dia”. E, fazendo eco à afirmação do grande biblista e doutor da Igreja, a CNBB, vai também afirmar: “Por isso, além de ser o Dia do Senhor, o Domingo é também o dia do Homem que busca viver a liberdade" (Doc. 43, n. 113).

NORMAS LITÚRGICAS RELATIVAS AO DOMINGO

2 - As Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário (NUALC), que entraram em vigor no ano de 1969, concretizaram a diretriz de SC 106, estabelecendo que somente uma festa ou solenidade do Senhor pode tomar o lugar da celebração litúrgica dominical, não, porém, ainda nos domingos do Advento, da Quaresma e da Páscoa, os quais gozam de preferência sobre todas as festas e solenidades do Senhor (cf. NUALC 5 e 6).

3 - Dada, porém, a faculdade das Conferências Episcopais, quanto à aplicação das normas universais em calendário regional ou particular (cf. SC nº 22 § 2; NUALC nº 51), no Brasil, por decisões da CNBB, confirmadas pela Sé Apostólica, ou pela simples aplicação das normas universais, várias festas e solenidades são celebradas no Domingo.

FUNDAMENTAÇÃO BÍBLICA DO DOMINGO

4 - As celebrações festivas e litúrgicas da Igreja primitiva, no fervor pascal do Cristo ressuscitado, sempre foram centradas na Ceia do Senhor (cf. 1Cor 11,20). Davam elas, assim, aos primeiros cristãos um sentido de viva pertença a Cristo e ao seu Mistério Pascal (cf. 1Cor 10,16), uma alegria de jubilosa expectativa de sua segunda vinda, expressa em sua oração "Maranatha" - Vem, Senhor Jesus! - (cf. 1Cor 16,22; Ap 22,20).

5 - O Domingo é síntese e culminância da história da salvação e, em sua dimensão escatológica, aponta-nos aquele dia eterno, o "hoje" perene de Deus, sonhado e esperado pelos seus filhos. Na sua dimensão bíblica, litúrgica e teológica, ele prenuncia, pois, o dia em que não haverá mais lágrimas, como diz o Apocalipse (21,4), dia, sim, de eterna alegria, no triunfo definitivo do Amor. Para Santo Agostinho, o Domingo, simbolizado pelo primeiro e oitavo dia ao mesmo tempo, é consagrado pela ressurreição do Senhor, constituindo assim a “eternidade primeira” e também a “eternidade última” (cf. Sermão 169,3; 260).

6 - Podemos dizer que, na expectativa messiânica, o Domingo é "visto" no Antigo Testamento como o dia que "o Senhor fez para nós" (cf. Sl 118(117)24), dia que, na leitura cristã, é o dia da ressurreição, da luz e da jubilosa alegria pascal. Essa alegria sem par, prefigurada no relato bíblico da criação, onde Deus cria a luz no primeiro dia (cf. Gn 1,3), é vista no Novo Testamento como a nova luz "que ilumina todo homem" (cf. Jo 1,9), tornando-o nova criatura (cf. 2Cor 5,17) e homem novo (cf. Ef 2,15). Luz que é, finalmente, podemos concluir, o próprio Deus, Ele mesmo a brilhar na Jerusalém Celeste (cf. Ap 22,5).

O DOMINGO NA LITURGIA

7 - Nos primeiros séculos do cristianismo, o domingo era também chamado de "oitavo dia" pelos Santos Padres. São Justino explicava que na Liturgia "o primeiro dia é também o oitavo...", pois este volta a ser o primeiro, na dinâmica do ciclo semanal litúrgico. Em nosso tempo, o Concílio Vaticano II vai recordar-nos: "Devido à tradição apostólica que tem sua origem no dia mesmo da ressurreição de Cristo, a Igreja celebra a cada oitavo dia o Mistério Pascal..." (SC 106). Quando falamos de "primeiro dia", recordamos a criação e a redenção, na gênese da vida, tanto a física ou biológica quanto a espiritual e pascal; e quando nos referimos a "oitavo dia", queremos falar da marcha da Igreja rumo à eternidade, à escatologia, ou seja, ao Domingo sem fim da volta do Senhor, “dia que não conhece ocaso”, como também afirma a Liturgia Bizantina.

8 - Na Liturgia, o domingo é memória sempre viva do evento redentor de Cristo e, ao mesmo tempo, profecia da páscoa futura. É reapresentação sacramental da páscoa primeira, como também antecipação sacramental da páscoa definitiva e eterna. Assim, celebrando o memorial da Páscoa do Senhor, principalmente no Domingo, somos reapresentados aos acontecimentos da última ceia no Cenáculo, à tarde dolorosa do Calvário e à manhã luminosa da ressurreição, tornando-nos, sacramentalmente, presentes a eles e participantes de toda a sua eficácia redentora.

PEQUENA CATEQUESE DAS CELEBRAÇÕES DOMINICAIS

9 - Dada a importância fundamental do Domingo para a vida cristã, como núcleo do Ano Litúrgico, deve ele ser celebrado com o sentido mais profundo de festa e de exultação pascal. Assim, em sua preparação celebrativa, deve-se valorizar o sentido do novo, isto é, de tudo aquilo que vai proporcionar a quebra da rotina celebrativa, normal, diga-se, durante os chamados dias da semana. E a propósito, a CNBB adverte: "Núcleo de todo o Ano Litúrgico e ponto de convergência de todos os dias da semana, o Domingo espera, urgentemente, mais atenção de nossa pastoral" (Doc. 43, nº 119b).

10 - Em termos práticos, admitir que o Domingo pode ter a mesma fisionomia dos dias de semana seria simplismo, preguiça espiritual e afeição viciosa à mesmice. Em outras palavras, em sentido claro e catequético, seria relaxamento pastoral. Mas o outro lado também é verdadeiro: movidas por um entusiasmo não esclarecido, comunidades há que pensam que os dias da semana devem ter a mesma fisionomia festiva do Domingo, em termos celebrativos. São dois extremos. Ao primeiro, diríamos que o Domingo é festa principal, que alimenta os outros dias da semana. Não deve então trazer a mesma “roupagem” dos dias feriais. Já ao segundo, diríamos que os dias de semana devem ser cuidados sim, porém não com a solenidade do Domingo, salvo, é claro, quando durante a semana se celebra uma festa ou solenidade, de acordo com as normas litúrgicas de graduação. Aliás, se assim não fosse, o Domingo perderia a sua importância, a sua novidade e a sua centralidade, com relação à Liturgia.

11 - Tratando-se, pois, de Liturgia, é preciso então criatividade, por parte das equipes responsáveis. No Domingo, por exemplo, os cantos devem ser mais bem elaborados; os ritos, preparados cuidadosamente e celebrados com mais fervor; as leituras bíblicas, proclamadas com mais vivacidade; a homilia, revelando aquele trato familiar do sentido apostólico e da tradição; os objetos litúrgicos, tanto quanto possível (de acordo com a comunidade celebrante), substituídos por aqueles com mais "cara" de Domingo, como a toalha do altar, as flores, as velas, e até mesmo as vestes litúrgicas.

12 - Também os símbolos devem, no Domingo, ser mais expressivos, na referência desejável ao que propõe a Palavra de Deus, a festa ou o tempo litúrgico, na dinâmica do Reino e do mistério divino. Da mesma forma, esmere-se a Equipe de Acolhida no acolhimento de todos, pois é festa do Povo de Deus, e o espírito de fraternidade, de união e de comunhão viva dos irmãos deve estar presente desde o início da celebração, como marca de um povo que se alegra com o dom da redenção. Saibamos, finalmente, que o Domingo derrama para todos os dias da semana a vitalidade pascal da ressurreição do Senhor, assim como a celebração do Tríduo Pascal da Morte e Ressurreição do Senhor derrama a mesma vitalidade para todas as celebrações do Ano Litúrgico.

13 - Com relação à pequena frequência dos cristãos nas celebrações dominicais, o que se nota principalmente na Europa, mas também visível em nosso país, talvez se deva à banalização da Eucaristia, tirando-lhe o sentido primitivo e teológico e enchendo-a de vulgaridades, alheias ao sentido do verdadeiro Memorial da morte e ressurreição do Senhor. Acrescente-se ainda que os “filhos das trevas” são mais espertos que os “filhos da luz” (cf. Lc 16,8b), e isso pode explicar porque os “templos capitalistas” estão sempre cheios de “fiéis compradores”, e até de “admiradores”, enquanto os nossos templos cristãos estão ficando cada vez mais vazios de “fiéis adoradores de Deus”.

14 - Notemos que o que acima se falou aconteceu também nas celebrações da igreja primitiva. Deixando-se levar por outras motivações (cf. 1Cor 11,34), e esquecendo-se do sentido que lhes dava, inicialmente, a celebração da Ceia do Senhor, ou seja, o de profunda pertença a Cristo e à Igreja (cf. 1Cor 10,16), muitos cristãos também perderam a consciência da verdadeira comunhão e da libertação pascal, afastando-se até mesmo das celebrações (cf. Hb 10,25). Outros também, no mesmo sentido, chegaram até a provocar cisões na assembléia cristã (cf. 1Cor 11,18). Hoje, em muitas comunidades, mesmo com tantos progressos na vida litúrgica e na espiritualidade, vemos, com tristeza, repetições de tais comportamentos.

15 - O Dia do Senhor, dia celebrativo da libertação pascal, como vimos, não pode nunca ser para o cristão dia de outros senhores e de outros deuses. Se é “dia de churrasco”, com sua fumaça agradável e seu cheiro apetitoso, o que é um dado positivo, é também, antes, “dia de incenso”, com sua fumaça de louvor e seu perfume sóbrio e simbólico. Em outras palavras, é dia de elevar os olhos ao Deus de toda graça, em atitude orante, agradecida e humilde. Tudo, pois, deve concorrer para o descanso humano, tão necessário e essencial, como querido por Deus. E aqui o cristão, consciente e esclarecido, se verá diante de um autêntico e harmonioso equilíbrio de valores. Mas - brincadeira à parte - haverá sempre aqueles para os quais uma só fumaça é necessária, seja a do churrasco, seja a do incenso.

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João de Araújo

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