O Ofício das Leituras

(Uma riqueza bíblica, patrística e espiritual)

 

1 - Tudo o que se diz da Liturgia das Horas em geral, como fonte de espiritualidade e de vida cristã, como mística de um povo consagrado ao Senhor, por ele chamado e por ele eleito no amor, pode-se aplicar ao Ofício das Leituras em particular, pois a estrutura literária, bíblica e teológica deste enriquece grandemente o Ofício Divino, mesmo considerando a importância litúrgica dos dois polos da Liturgia das Horas, que são as Laudes e as Vésperas (IGLH n° 37).

 

2 - O Ofício das Leituras, como parte, pois, essencial do Ofício Divino, mesmo diante da riqueza de textos bíblicos que se proclamam na celebração da Eucaristia, quer apresentar ao povo de Deus, principalmente aos que estão consagrados ao Senhor, meditação mais profunda e substanciosa de textos bíblicos e patrísticos (cf. IGLH n° 55). Tal objetivo é colocado para que os ministros, na vivência de seus ministérios e carismas, possam não só transmitir aos fiéis a eles confiados o alimento salutar da palavra de Deus, mas também possam eles ser, primeiramente, testemunhas vivas do Evangelho.

 

3 - Convém notar, sem excluir o alcance vital para todos os membros da estrutura eclesial, que principalmente a vida monástica é aqui contemplada com a iniciativa pastoral da Igreja, no que concerne à ampliação dos textos bíblicos e patrísticos do Ofício das Leituras. Isso porque o ambiente monacal, pela sua própria natureza, é mais aberto à espiritualidade e à mística da vida orante, propiciando então aos seus membros uma familiaridade ainda mais profunda não só com o pensamento bíblico, mas também com o dos Santos Padres, pois estes até hoje continuam sendo os “pais espirituais” do povo cristão e católico.

 

4 - No entendimento, pois, da Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas, como já vimos, a extensão dos textos do Ofício das Leituras (quer bíblicos, patrísticos, hagiográficos ou espirituais), tem como função despertar o espírito meditativo tal como sempre entendeu a Igreja, pois é preciso que “o fio de interpretação dos profetas e apóstolos continue de maneira correta, segundo a norma do sentido eclesiástico e católico”, como afirma São Vicente de Lérins.

 

5 - Podemos dizer então que tal espaço e extensão dos textos caracteriza o Ofício das Leituras como tempo de escuta diante de Deus, facilitando assim não só a memória, a anamnese, dos grandes feitos de Deus na história da salvação, mas também a contemplação da mesma história salvífica e, em especial, do insondável mistério de Cristo. Diga-se ainda que as leituras do Ofício nutrem, fortalecem e revigoram a celebração laudatória, evocando tantas vezes as maravilhas de Deus, na revelação a nós de seu projeto amoroso de amor.

 

6 - Para medirmos (se assim pudermos falar) a espiritualidade e a mística do Ofício das Leituras, devemos lançar um olhar para a imensa riqueza que a Igreja nos apresenta, quando, como Mãe e Mestra, e fiel à tradição, guiada naturalmente pelo Espírito de Deus, soube escolher textos tão repletos do amor divino, que hoje fazem parte do Ofício das Leituras. Deve-se ter em mente que, além dos textos bíblicos, colocados na maioria das vezes em forma contínua, como na liturgia da missa, cerca de outros seiscentos textos, extraídos dos Santos Padres e de escritores eclesiásticos, completam tal mina do tesouro divino e celeste.

 

7 - Na vida monástica, dada a sua peculiaridade, mais ainda acentuada na vida de clausura, tal espiritualidade e mística do Ofício das Leituras pode-se tornar mais visível ainda, uma vez que aí se cultiva com mais fervor e vitalidade o silêncio, com suas marcas espirituais: de recolhimento, de meditação, de assimilação, de cunho orante e também de louvor. Mas também tal momento orante intensifica em qualquer membro da Igreja a capacidade e a força de elevação a Deus, na contemplação laudatória de suas maravilhas. Assim, a escuta atenta e receptiva das leituras se torna facilmente viva oração.

 

8 - Sabe-se que o Ofício das Leituras tem caráter de verdadeira oração, pois esta deve acompanhar a leitura da Sagrada Escritura, estabelecendo assim o diálogo entre Deus e o ser humano, pois, como nos ensina Santo Ambrósio, “a Deus falamos quando oramos, a ele escutamos quando lemos os oráculos divinos” (cf. IGLH n° 56). Além disso, podemos dizer que a espiritualidade e o pensamento patrísticos são também fonte segura do sentimento orante na Igreja. Esta é a explicação litúrgica para que o Ofício das Leituras seja constituído também de hino, salmos, oração e outras fórmulas próprias da Liturgia das Horas.

 

9 - O Ofício das Leituras está hoje estruturado de maneira que, embora conserve a índole de louvor noturno quando recitado em coro, pode-se adaptar a qualquer hora do dia (cf. SC 89c), libertando-se assim do condicionamento primitivo quanto ao horário da celebração canônica. Contudo, é louvável que principalmente os fiéis de vida contemplativa e de clausura observem a exortação dos Santos Padres no que diz respeito à preferência pelo louvor noturno, mediante o qual, segundo os Evangelhos, se expressa e se estimula a espera do Senhor que vai voltar (cf. Mt 25,6; Mc 13,35-36; IGLH n° 58 e 72).

 

10 – Com relação ainda ao louvor noturno, é valioso o pensamento de Hipólito: “Toda a criação repousa um momento para louvar o Senhor: os astros, as árvores, as águas param um instante, e todo o exército dos céus, que o serve, louva a Deus durante a noite, juntamente com as almas dos justos. Por isso os fiéis são diligentes em orar nessa hora” (Hipólito, Tradição Apostólica 41).

 

11 - A espiritualidade do Ofício das Leituras, acentuando cada vez mais uma mística cristã inigualável, já faz resplandecer no hoje de nossa vida a suavidade do louvor celeste, quer pela eficácia sacramental da Palavra de Deus, quer pelo genuíno sentido cristão da palavra dos Padres na tradição da Igreja, como também pelos textos eucológicos e poéticos.

 

RITUAL PRÓPRIO DO OFÍCIO DAS LEITURAS

 

a) - Invitatório

 

Caso seja recitado antes das Laudes, o Ofício das Leituras começa com o versículo: “Abri os meus lábios, ó Senhor...” e do salmo Invitatório 94(95), com seu refrão, podendo, quando oportuno, ser substituído pelo salmo 23(24), ou 66(67), ou ainda 99(100). Se não for a primeira oração do dia, então começará com o “Vinde, ó Deus, em meu auxílio...”, seguido de “Glória ao Pai”, e, fora do tempo da Quaresma, com “Aleluia”. O objetivo litúrgico do Invitatório é convidar os fiéis a cantar os louvores de Deus e a escutar a sua voz (cf. IGLH n° 34).

 

b) -Hino

 

Depois do rito introdutório, recita-se o hino próprio, que, no Tempo Comum, é tomado tanto da série noturna como da série diurna, de acordo com a realidade do tempo. Os hinos, geralmente, são de grande riqueza poética e espiritual. São dispostos de maneira tal que possam dar um colorido próprio a cada Hora celebrativa, ou a cada festa, e que também faça com que a oração canônica, principalmente quando feita com a participação do povo, se inicie com mais facilidade, com mais encanto e com mais espírito orante.

 

c) – Salmodia

 

A liturgia, em sentido orante e pedagógico, tem como centro o Mistério Pascal de Cristo, por isso emprega o salmo, sempre, em dimensão cristológica. Vê-se, pois, que o Saltério é um livro profético e messiânico, na direção de Cristo e que se gravita em torno dele. O fundo cristológico dos salmos segue uma dupla direção. A mais frequente é a chamada cristologização de "baixo para cima", ou ascendente. Aqui, na voz do autor sálmico, percebe-se a voz de Cristo dirigida ao Pai ("vox Christi ad patrem"). No homem perseguido, caluniado e aflito, a liturgia como que ouve o Cristo padecente, o Servo de Javé, em sua situação de kénosis, ou seja, de humilhação e de despojamento. É o caso, por exemplo, do salmo 21(22).

 

Já a outra linha segue uma direção descendente. É a cristologização de "cima para baixo". Cristo já não é, aqui, considerado embaixo, na kénosis, mas em cima, em sua glorificação. A voz então que se ouve no salmo é a da Igreja, ou do fiel, que se dirige a Cristo ("vox ecclesiae ad Christum"). Cristo é, então, não sujeito, mas destinatário, objeto do salmo. Santo Agostinho, unindo as duas perspectivas, diz: "Psalmus vox totius Christi capitis et corporis", isto é, o salmo é a voz do Cristo Total, Cabeça e Corpo.

 

No Ofício das Leituras, a salmodia é constituída de três salmos, ou partes de salmos, que se dizem com as antífonas correspondentes. No Tríduo Pascal, nos dias da oitava da Páscoa e do Natal e nas solenidades e festas, os salmos são próprios. A IGLH (nº 122) fala de três modos de salmodiar: a) – de maneira seguida; b) – alternando as estrofes em dois coros ou partes da assembléia; e c) – de modo responsorial, este como acontece da Missa. Na salmodia da Liturgia das Horas, o “Glória ao Pai” sempre se diz no fim do salmo, conferindo à oração do Antigo Testamento um sentido de louvor, cristológico e trinitário.

 

Para uma compreensão ainda maior da salmodia, haurindo dela toda a riqueza de seu conteúdo, seja poético, laudatório ou de súplica, por exemplo, podemos também servir-nos de três elementos que a acompanham: a antífona, o título do salmo e a expressão bíblica do Novo Testamento, ou então patrística e espiritual. A antífona, por exemplo, ajuda a entender o sentido litúrgico do tempo celebrado; já o título do salmo esclarece o seu sentido, às vezes oculto, ou não facilmente percebido pelo fiel; e a sentença bíblica do NT, ou patrística e espiritual, propicia uma compreensão do salmo à luz da história da salvação, como também à luz de outros textos bíblicos, como convite à reza do salmo em sentido cristológico.

 

d) - Verso salmódico

 

Antes das leituras, diz-se o versículo, que marca a passagem da salmodia para a escuta das leituras. O versículo é indicado no lugar próprio, sempre ligado à temática da celebração, principalmente nos “tempos privilegiados”. São ricos também em sentido bíblico ou patrístico.

 

e) - Leituras

 

Há no Ofício duas leituras. A primeira é bíblica, com seu responsório, e a segunda tomada das obras dos Santos Padres, ou de escritores eclesiásticos, podendo ainda ser uma leitura referente ao santo do dia, seguida também de um responsório. A segunda leitura pode então ser patrística, hagiográfica ou espiritual, dependendo do tempo litúrgico, da festa ou solenidade, como ainda da memória dos santos. Os responsórios que se seguem às leituras estão ligados tematicamente a elas, fazendo eco ao seu conteúdo e facilitando ainda mais a sua compreensão.

 

Nos chamados “tempos privilegiados”, em que não se celebra nenhuma memória obrigatória (IGLH 237 e 238), quem quiser celebrar um Santo, depois da leitura patrística com seu responsório acrescenta a leitura hagiográfica própria e conclui com a oração do Santo (IGLH 239).

 

No Ofício das Leituras, como já se falou antes, deve-se dar atenção aos textos aqui colocados, deles tirando toda a vitalidade cristã de que estão revestidos. Diferente dos outros momentos do Ofício Divino, em que as leituras bíblicas são breves, neste Ofício os textos são mais longos, com perícopes bíblicas completas, tendo também lugar privilegiado os escritos patrísticos e espirituais, como frutos copiosos do Mistério Pascal de Cristo, revelado e refletido na vida de tantos eleitos de Deus.

 

f) - “Te Deum”

 

Após a segunda leitura com seu responsório, o “Te Deum” (“A vós, ó Deus, louvamos”) é recitado ou cantado: nos domingos (exceto os da Quaresma), nos dias da Oitava do Natal e da Páscoa, como também nas festas e solenidades. A última parte do hino (a partir do versículo “Salvai o vosso povo” até o final) pode ser omitida.

 

g) - Oração conclusiva

 

Após o “Te Deum”, quando for o caso, ou após a segunda leitura com seu responsório, reza-se então a oração conclusiva. Depois, pelo menos na celebração comunitária, acrescenta-se a aclamação: “Bendigamos ao Senhor. Graças a Deus”.

 

Notas:

 

a) – Regra geral, o Evangelho não é proclamado na Liturgia das Horas pelo fato de ser proclamado integralmente na Missa, nos ciclos litúrgicos anuais de A, B e C. Contudo, nas celebrações das Laudes, das Vésperas e das Completas há os seguintes cânticos evangélicos, invariáveis, todos de Lucas: “Benedictus” (1,68-79); “Magnificat” (1,46-55) e “Nunc Dimittis” (2,29-32), usados respectivamente nas horas canônicas acima. Tais cânticos evangélicos devem ser proclamados ou cantados com a mesma solenidade como acontece na Missa. Também em vigílias prolongadas, como se vê abaixo, o Evangelho é proclamado, como indicado no Apêndice.

 

b) – Nas celebrações de vigílias prolongadas, o Ofício das Leituras é celebrado até às leituras, com seus responsórios. Depois, antes do “Te Deum”, são acrescentados os cânticos bíblicos e, em seguida, proclama-se o Evangelho, podendo sobre ele, se oportuno, ser feita a homilia, tudo como indicado no Apêndice do livro. Depois, canta-se o "Te Deum" e se diz a oração (cf. IGLH nº 73b).

 

c) – Caso se faça a união da Missa com o Ofício das Leituras, nas situações previstas no nº 98 da IGLH, então o Ofício é celebrado até a segunda leitura com seu responsório, seguindo-se a Missa já com o Glória, se for prescrito, ou então iniciando-se com a Oração do dia.

 

FONTES:

- IGLH – Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas

- Constituição “Sacrosanctum Concilium” (sobre a Sagrada Liturgia)

- Dicionário de Liturgia (Paulus)

- A Celebração na Igreja (Vol. 3) - Edições Loyola

João de Araújo

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