Vigília Pascal do Sábado Santo

1 - A tradição cristã sempre associou a noite da ressurreição à noite da páscoa judaica, descrita em Ex 12,1-14, com o caráter, porém, de vigília em honra do Senhor. E a Igreja, a exemplo de seu mestre, não celebra também a Eucaristia desde a noite de Quinta-Feira Santa, até que o Senhor ressuscite verdadeiramente (cf. Lc 22,16). O Sábado Santo se caracteriza também como dia de silêncio e de pesar, mas vivido na expectativa da ressurreição do Senhor.

2 - Mãe de todas as santas vigílias, na expressão de Santo Agostinho, a Vigília Pascal faz resplandecer no horizonte da vida humana a recapitulação de todo o universo em Cristo. É a noite gloriosa do Senhor, que dá dimensão e sentido também à noite do Natal. Nesta vigília, a Palavra de Deus vai ressoar no coração de toda a Igreja, mostrando a todos os fiéis como Deus é fiel no cumprimento de suas promessas. Entoa-se solenemente o Glória, e, depois das longas semanas da Quaresma, volta-se a entoar o Aleluia em verdadeira exultação pascal.

3 - A liturgia desta Sagrada Vigília vai, assim, se desenrolando aos nossos olhos como uma celebração cada vez mais iluminadora de nossa vida, dando-lhe um sentido inteiramente novo, encorajando a nossa existência para a nobreza de uma vida fraterna. Assim, o Círio Pascal, preparado, aceso e conduzido no início da celebração, em rito processional, como que dissipando as trevas do mundo, no simbolismo da igreja apagada, lembra-nos a coluna de fogo, na qual Javé precedia, na escuridão da noite, o povo de Israel ao sair do Egito (cf. Ex 13,21-22). Cristo é a luz do mundo, e quem o segue não anda nas trevas (cf. Jo 8,12), eis o simbolismo último do Círio Pascal.

4 - O tesouro maior da liturgia encontra-se, pois, nas celebrações desta noite. Como já se falou, o Tríduo Pascal da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor é a celebração mais importante na vida da Igreja, com sua posição mais alta na escala da Liturgia. São quatro os momentos litúrgicos da Vigília Pascal: a Liturgia do Fogo e da Luz, a Liturgia da Palavra, a Liturgia Batismal e, encerrando, a Liturgia Eucarística.

LITURGIA DA LUZ E DO FOGO

5 - Com a igreja apagada, inicia-se a Liturgia da Luz, na porta da igreja ou em outro local apropriado, com a bênção do fogo e a preparação do Círio, estas com ricas palavras alusivas a títulos do Senhor: na incisão vertical do Círio: “Cristo, ontem e hoje”; na incisão horizontal:  “Princípio e fim”;  na colocação da primeira e da última letra do alfabeto: “Alfa e Ômega”, ou “A e Z”; na inserção dos números do ano civil, como que inserindo o tempo atual na eternidade: “A ele o tempo” (1º número) “e a eternidade” (2º número), “a glória e o poder” (3º número) “pelos séculos sem fim. Amém” (4º número)). Pregando os grãos de incenso no Círio, em forma de cruz, de cima para baixo (3) e da esquerda para a direita, nas extremidades (2), como as cinco chagas, o texto continua: “Por suas santas chagas, (1) suas chagas gloriosas (2), o Cristo Nosso Senhor (3) nos proteja (4) e nos guarde. Amém (5)”.

6 - Preparado o Círio, o sacerdote vai acendê-lo no fogo novo, benzido no início, dizendo: “A luz do Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e de nossa mente”. Em seguida, elevando o Círio, canta por três vezes “Eis a luz de Cristo”, a que a assembleia responde “Demos graças a Deus!”.

7 - O Círio então é conduzido processionalmente, do local preparado ou da porta  pelo centro da igreja. Os fiéis podem acender nele as suas velas. Na terceira vez do canto, acendem-se as luzes da igreja, apagada desde o início, e o Círio é então colocado no lugar próprio, onde vai ser incensado. Canta-se em seguida o Exultet, chamado também "Precônio Pascal” (Proclamação da Páscoa), findo o qual se encerra a Liturgia da Luz, momento em que os fiéis apagam suas velas.  

Notas:


a) –  No movimento para a Igreja, convém que apenas o Círio Pascal guie a procissão, dispensando-se então a cruz processional e as tochas.  A explicação é simples: a Cruz e o Círio não são apenas “símbolos litúrgicos”, mas “sinais cristológicos”, e na Liturgia deve-se evitar a duplicidade do mesmo sinal, quando possível. Quanto às tochas, estas não podem obscurecer a luz do Círio, como que querendo completá-la. Atente-se ainda para a lógica do rito: os fiéis é que acompanham o Círio, na lembrança feliz de Jo 8,12, onde Jesus diz: "Eu sou a luz do mundo. Quem me segue não caminha nas trevas, mas terá a luz da vida".

b) – É recomendável para o Tempo Pascal, quando possível, que o Círio Pascal seja conduzido na procissão de entrada, a fim de se enfatizar mais a sua importância na dinâmica inicial da celebração. Nesse caso, penso que a cruz processional e as velas podem ficar dispensadas, dada a explicação acima.


LITURGIA DA PALAVRA

8 - Nove leituras são propostas na Liturgia da Palavra da Vigília Pascal, sete do Antigo Testamento e duas do Novo. As do AT podem ser reduzidas a três, permanecendo as duas do Novo Testamento, sendo que, do AT, a terceira leitura não pode ser omitida, por tratar da saída do povo de Israel do Egito, figura, pois, da libertação definitiva operada por Deus através de seu Filho Jesus. Cada leitura é seguida de um salmo responsorial (a 3ª e a 5ª, de cântico bíblico) e de uma oração sálmica, presidencial, esta muito objetiva, ligada também à própria leitura. Os textos bíblicos do AT aludem à criação e às intevenções de Deus na história da salvação, tudo apontando para a realização plena em Jesus Cristo.

9 - Encerradas as leituras do Antigo Testamento, entoa-se solenemente o Glória, já a partir de agora na harmonia do órgão e de instrumentos musicais, estes em silêncio, como sabemos, desde a noite da Quinta-Feira Santa. Diferente do que acontece na missa, o Glória aqui é cantado após as leituras. Ele é como um salmo cristão, marcando a passagem do Antigo para o Novo Testamento. Acendem-se também, neste momento, as velas do altar, tirando sua chama do Círio Pascal. Aqui a Igreja se reveste de toda a alegria pascal. Segue-se então ao canto do Glória a primeira leitura do Novo Testamento (Rm 6,3-11), que é uma alusão profunda ao fato neotestamentário, ou seja, a regeneração pelo Batismo, o homem novo, na expressão de São Paulo. Todos nós, sepultados com Cristo, pelo Batismo, com Cristo também ressuscitamos. É, pois, a novidade total, razão última da redenção operada por Deus.

10 - É interessante notar que, com a última leitura do Antigo Testamento, este não é mais lido na Liturgia até Pentecostes, fim do Ciclo Pascal. Como primeira leitura, a Liturgia vai usar os Atos dos Apóstolos, como que contando e revelando a sua própria história, já então mergulhada do mistério do Cristo Ressuscitado.

11  - Cantado, após a leitura de São Paulo, o Salmo aleluiático da ressurreição (Sl 118[117], pode-se entoar solenemente o tríplice Aleluia, proclamando, em seguida, o evangelho, levando-se em consideração o ciclo anual de A, B e C. Com a homília, encerra-se a segunda parte da liturgia.

Textos bíblicos da Vigília Pascal:

 

1ª leitura: Gn 1,1-2,2, ou breve: 1,1.26-3a

 

Salmo 104(103),1-2a.5-6.10.12.13-14.24.35a ou Sl 33(32),4-5.6-7.12-13.20.22

 

 2ª leitura: Gn 22,1-18 ou breve: 22,1-2.9a.10-13.15-18

 

 Salmo 16(15), 5.8.9-10.11

 

 3ª leitura: Ex 14,15-15,1a

 

 Cântico bíblico: Ex 15,1b-2.3-4.5-6.17-18

 

 4ª leitura: Is 54,5-14

 

 Salmo 30(29),.2.4.5-6.11.12a.13b

 

 5ª leitura: Is 55,1-11

 

 Cântico bíblico: Is 12,2-3.4bcd.5-6

 

 6ª leitura: Br 3,9-15.32-4,4

 

 Salmo 19(18),8.9.10.11

 

 7ª leitura: Ez 36,16-17a.18-28

 

 Salmo 42(41),3.5bcd; 43(42),3.4

 

 8ª leitura: Rm 6,3-11

 

 Salmo 118(117),1-216ab-17.22-23

 

 9 – Evangelho: Ano A: Mt 28,1-10      Ano B: Mc 16,1-7          Ano C: Lc 24,1-12    


LITURGIA BATISMAL

12 - Como se sabe, sempre a noite da Vigília Pascal do Sábado Santo foi escolhida para a celebração mais apropriada do Batismo, principalmente de adultos. Ainda hoje há também esta recomendação pastoral, infelizmente não levada muito a sério por algumas comunidades. Nesta parte da liturgia, além do batismo daqueles que foram preparados na Quaresma, faz-se também a renovação das promessas batismais de todos os fiéis. Este é, aliás, um rito que deve sempre ser vivido e valorizado em função do sentido pascal, assumido pelo Batismo, pois, pela renovação das promessas batismais, atinge-se a culminância dos exercícios quaresmais.

13 - Inicia-se, pois, essa terceira parte da Vigília Pascal com o chamado dos batizandos pelo presidente e apresentação deles à assembleia, seguindo-se o canto da Ladainha de Todos os Santos e a bênção da água batismal. Na bênção da água, pode haver a imersão nela do Círio Pascal e sua emersão, significando, pela imersão, a nossa morte com Cristo e, na emersão, a nossa ressurreição com ele. Prossegue então a liturgia: com o Batismo (se houver), com a renovação das promessas batismais e com a aspersão da assembleia, encerrando-se a terceira parte da liturgia. No fim da aspersão, os fiéis apagam as suas velas, as quais são acesas no início da renovação das promessas batismais.

14  -Ainda com referência à Liturgia Batismal, é preciso que se observe o seguinte: a Ladainha de Todos os Santos só é cantada ou rezada quando houver batismo ou bênção da água batismal. Quando o sacerdote benze a água só para a aspersão da assembleia, a ladainha é omitida e, nesse caso, a oração é também mais simples, reduzida, não tão rica como a do rito batismal, em que há a imersão do círio, como falamos. De fato a oração com o Círio é consecratória, numa referência muito rica à criação e à história da salvação.

15 - Pelo que foi exposto acima, quando não houver batismo é aconselhável fazer pelo menos a bênção da água batismal, que será usada na aspersão e nos batizados do Domingo da Páscoa, podendo então aí cantar a Ladainha, empobrecendo menos a liturgia. O que não se deve fazer, e isto acontece talvez por desconhecimento, é cantar a Ladainha sem que haja a celebração do batismo nem bênção da água batismal.

LITURGIA EUCARÍSTICA


16 - A quarta e última parte da grande Vigília Pascal do Sábado Santo é a Liturgia Eucarística, celebrada pela última vez na noite da Quinta-Feira Santa. Aqui ela volta, tendo em vista o cumprimento da profecia do próprio Cristo, segundo a qual ele só voltaria a celebrá-la no Banquete eterno do Reino do Pai (cf. Lc 22,16).

17 - A Eucaristia, que agora então se celebra, inicia-se com as preces da comunidade, seguida da preparação e apresentação das oferendas, pois toda a Liturgia da Palavra e ritos iniciais foram liturgicamente celebrados nas partes anteriores da Vigília Pascal.

18 - Podemos dizer que a fisionomia dessa última parte é de alegria pascal, de Igreja enternecida com a luz do Cristo Ressuscitado, mergulhada no abismo de tão profundo mistério e envolvida com a missão redentora de seu Divino Mestre. A fisionomia dos participantes deve ser então uma fisionomia de ressuscitados, de homens novos, gerados que foram pela graça redentora de Cristo, contemplando agora um horizonte sempre mais resplandecente e mais fúlgido. Fisionomia - devemos insistir - de homens capazes de reconstruir um mundo novo, alicerçado na paz, na justiça, no amor, na concórdia e na fraternidade, onde a Eucaristia brilhe mais intensamente como lugar de partilha, de verdadeira comunhão e de ação libertadora, no sinal vivo do Cristo Ressuscitado.  

João de Araújo

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